quarta-feira, 31 de outubro de 2012

gerúndio e o tal do amor


I
desparafusem cada parafuso
soltem as amarras e refaçam as estruturas
separem o inseparável do difuso
e aliviem os pobres de suas agruras

livrem os loucos dos manicômios
parem todos os sinais vermelhos
muitas doses de ferormônio
e mil e três vivas! aos pentelhos

peguem nos bancos as suas dívidas
procurem alhures as suas divas
cubram os santos com tépidas mantas
e entoem à tarde os belos mantras

porque do amor ele pediu a infância
e Ele lhe deu isso mesmo quem lhe dera
envolto em tanta circunstância
que seu estômago revolve e reverbera


II
pensem mal sobre o certo e o errado
e cassem as bruxas dos microondas
lancem pioneiras espaciais sondas
e soprem com carinho o arranhado

porque a Ele ele pediu e Ele o integrou a Ela
            a verdade em caverna de marfim
            toda a luz de um toco de vela
porque o que ele pediu Ele lhe deu assim:

  
III
teu foguete e teu canivete
teu cronômetro e teu nó górdio
tua dúvida mais inconteste
derrota e primeiro lugar no pódio

tua exatidão e tua crueldade
tua fagulha e teu rebotalho
toda a possível felicidade
vida inteira pedaço de retalho

está tudo aí: confusão e certeza
ferida e sã cicatriz
monotônica lentidão e presteza
a eternidade e o triz
andrejcaetano
Ferrucio Ferrone

quinta-feira, 21 de junho de 2012

o meu peito nesta noite

nesta noite o meu peito
está cheio de dificuldades que
eu próprio não entendo

estou
a tatear a crueldade dos
cotidianos esfaimados   eu mesmo
não podendo carros ou baladas e
o vazio é que isso é um nem-queria

me corrói o esforço humilhado
dos biscateiros batendo seus sinos
rua acima por todos os dias   algodão
doce   rosas   bijú   jornal velho   esses olhos
enrijecidos sol ou chuva todo o
sempre miseravelmente rua abaixo

eu próprio um elemento gasoso
sem voz   a se desencantar com o que
seria meu   com a boçalidade dos
meus pares   o lixo nas calçadas
óculos escuros   videomakers atrás
de imagens avessas   polígonos
arestas   clichês   churrascos

eu mesmo   apesar do oásis
estou onde não estou
a chorar os viadutos habitacionais
o tempo perdido e irrecuperável
o futuro sem filhos
a dor magrela e banguela
onde dorme
sem amor algum em seus abismos
o espírito desta noite

andrejcaetano [1992]
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quinta-feira, 10 de maio de 2012

per saecula saeculorum


A
consigo se encarregou de refazer:

 . . . . . . colocou um momento
uma analogia
uma deferência
uma paisagem
outra referência
uma imprecisão
de novo reverenciou
e afinal num contrargumento circular
se indeterminou . . . . . . . . . . . . . . . . . .

compacta     subatômica
pousou a poesia

um átimo

ievaporô

andrejcaetano

Letizia Bataglia

quarta-feira, 28 de março de 2012

sayings

‘As much as by wisdom as by war’ – this saying is on a wall of the Old Royal Naval College at Greenwich.

The Thames is a tidal river. This makes the river seems tiny and muddy during certain parts of the day.

Tides are due to the moon’s gravity force. When Earth aligns with the moon and the sun altogether the tides go highest. That’s what I’ve learned in the Maritime Museum at Greenwich. The explanation is also available over the internet.

This is a pretty sunny day. When the sky über London is pale blue as it is today one can count jets by the dozen. One can also spot a couple of choppers hovering around.

London School of Economics. The staff’s restaurant is divided up so that lecturers have a dining room and professors have another one. Perhaps this is the whole history.

From Putney to Waterloo Station one passes by the cover of Pink Floyd’s album Animals. It takes fifteen minutes from Putney to Waterloo Station by train.

That a lot of Londoners live over old burial grounds is written somewhere between Putney and Waterloo Station.

That a female artist of the sixties or the seventies shot paint bags hanging in front of a white canvas to get her art work done is in the Tate Modern. She the artist said she was shooting at men family government state society. At that time she was a young gorgeous artist. The result on the canvas is quite impressive.

Camden Town doesn’t really have cool different stuff to buy.

Saint Albans was once a battlefield where the Romans defeated barbarian tribes and that is for sure.

Ana Cristina Camargos lived in London for a while years ago. That she passed away last August one week before she would be forty is plainly the saddest thing.

‘Nothing is certain but change’  the most interesting lesson one can take from London’s Museum of Natural History is a saying on a wall.
andrejcaetano

domingo, 18 de março de 2012

o mar e o canavial [joão cabral de melo neto]


O que o mar sim aprende do canavial:
a elocução horizontal de seu verso;
a geórgica de cordel, ininterrupta,
narrada em voz e silêncio, paralelos.
O que o mar não aprende do canavial:
a veemência passional da preamar;
a mão-de-pilão das ondas na areia,
moída e miúda, pilada do que pilar.
O que o canavial sim aprende do mar: 
o avançar em linha rasteira da onda;
o espraiar-se minucioso, de líquido,
alagando cova a cova onde se alonga.
O que o canavial não aprende do mar:
o desmedido do derramar-se cana;
o comedimento do latifúndio do mar,
que menos lastradamente se derrama.
João Cabral de Melo Neto
Rene Burri

sábado, 10 de março de 2012

a educação pela pedra [joão cabral de melo neto]

Uma educação pela pedra; por lições;
para aprender da pedra, frequentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta;
lições da pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.



Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse, não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.

João Cabral de Melo Neto


quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

male gorillas [ruth stone]


At the doughnut shop

twenty-three silverbacks

are lined up at the bar,

sitting on the stools.

It's morning coffee and trash day.

The waitress has a heavy feeling face,

considerate with carmine lipstick.

She doesn't brown my fries.

I have to stand at the counter

and insist on my order.

I take my cup of coffee to a small

inoffensive table along the wall.

At the counter the male chorus line

is lined up tight.

I look at their almost identical butts;

their buddy hunched shoulders,

the curve of their ancient spines.

They are methodically browsing

in their own territory.

This data goes into that vast

confused library, the female mind.

Ruth Stone


quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

two monkeys of brueghel [wislawa szymborska]


I keep dreaming of my graduation exam:
in a window sit two chained monkeys,
beyond the window floats the sky,
and the sea splashes.

I am taking an exam on the history of mankind:
I stammer and flounder.

One monkey, eyes fixed upon me, listens ironically,
the other seems to be dozing –
and when silence follows a question,
he prompts me
with a soft jingling of the chain.
Wislawa Szymborska
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