domingo, 12 de abril de 2020

tique-taque


Barulho –
            uma poesia
decodificava
o nexo do tempo
                       E o tempo, desconexo,
                                               às vezes solfejava
                                   às vezes gralhava

Poesia –
            um murmúrio
o influxo do tempo
informava
                                   E o tempo, no afluxo,
                                               às vezes gotejava
                                               às vezes jorrava

Entre a lacuna e a praia o tempo brincava
Brincadeira com começo meio e trava
andrejcaetano


quinta-feira, 9 de abril de 2020

relações perversas II

fuma angústia
          o gozo é o barato do real

vibra dor
          a obra prima pela imagem

imagina ferida
           quanto custou? o valor é simbólico

andrejcaetano

Robert Laberge

segunda-feira, 6 de abril de 2020

relação sexual

“as imagens do sonho só devem ser consideradas pelo seu valor significante”
JM É Lá

‘vou foder as palavras’ foi o primeiro pensamento do sábado ao ver o sol fritar a cortina. o segundo veio lépido: água! o terceiro se perdeu nos ermos do quarto já quente e esquelético quando o quarto já se ia pelo universo sideral distanciando-se das vozes dos vizinhos às nove da manhã [compras? clubes? churrascos?]. fiquei um homem. coisa engraçada. já um quinto largado de toda ordenação sem qualquer cronologia sextante ou outro instrumento de desiludir as óticas. levantei-me homem ficado.
andrejcaetano
Nathan Saillet



sexta-feira, 3 de abril de 2020

longo poema de natação


venho por meio deste ritmo eletrificado dizer ó quimera avança tu sozinha e deixa meu cabelo medusa crescer serpente com cloro e fumo que um esforço é tudo que se pode. as coisas. essa ameba. eu. como queira você mas o normal sempre me trouxe cavidades do tudo ou nada. este sempre foi o debate! maravilhas me dirão de cidades como se fossem algo sem povo. como se fossem gigantes. me dirão sobre mulheres como se elas fossem amor e sexo sem gênero a lhes impor. me dirão muito mais porque só o que salva é o coração. como se fosse apenas dizer para si no espelho: ó meu coração. quanta porta. venho por meio desta fechadura dizer que não tenho controle sobre o que quero. não quero nada. quero tudo. mora em meu banheiro um demônio de nome belial. dorme sossegado e não tem nada a sugerir para o meu mal ou para o mal que eu deva promover. ressona desinteressado. em minha sala vivem anjos que adoram pipoca e televisão. ó deus de djakarta! queime minha televisão! venho por meio deste computador referendar que quero morrer qualquer um e já. o passado dói gelo no meu estômago apenas porque esteve parede na minha mão e virou fotografia. o mesmo engano de pensar que belas palavras são a precisão de uma poesia. estou aqui neste prédio velho e barulhento para afirmar que da praia a visão do mar me acalma e que gosto do caminho sem gentes no início da noite e da chuva que me trespassa como se fosse ela a mão do deus e que sofro muito vendo gente humilhada e na igreja domingo quando vou sei que não interessa o medo porque agora naquela hora de qualquer morte amém e não faço nada mas não dou esmola. isso é tudo o que sou: um olhar vaidoso. um bicho que reza. apesar dessa sapiência ter chegado ao pulmão não consigo parar de mirar a piscina da cidade para ver como meus pares nadam e inverno longos verões de prostração até perceber que não sou peixe de piscina. paciência. venho por meio deste poema longo de natação dizer que a angústia de morar na beira da cidade não me avassala mais como se fosse um rei protetor a mão do deus e não a chuva que passa. que sou sozinho. que não quero nada. que o vazio é o recipiente. que a lagartixa está magra por que o inverno foi seco. que ganho pouco. que leio muito. que creio em paz. que confirmo minhas culpas em qualquer tribunal. venho por meio desta língua ancestral quebrar o ritmo de ser querendo tudo e afirmar que estou cansado demais para continuar achando que eu dirijo a minha nau. que d’agora por diante será como eu puder. um bicho do deus.
andrejcaetano

Liza Kanaeva Hunsicker

quinta-feira, 2 de abril de 2020

fronteiriças

"I am, by calling, a dealer in words; and words are, of course, the most powerful drug used by mankind"
Rudyard Kipling


certamente que Benjamin morreu para cruzar uma fronteira e Bruno Schultz morreu por não ter cruzado fronteiras e Sandor Marai empacou para nunca mais em uma fronteira e Faulkner não tinha fronteiras e Pound erigiu uma fronteira vertical e inútil e Beckett ficou murmurando meia vida inteira “há uma fronteira no meio do caminho” e Gordimer perguntou a Coetzee “não consegues ver a fronteira?” e Whitman não reconhecia fronteiras e Gabriel Garcia Márquez fez suco de fronteira e deu para as tristes putas beberem e Naipaul transfronteirizou e certamente fronteira é uma abstração que o erutidismo acadêmico desconhece: o apego pegajoso delirante tosco grosso brusco nauseabundo inebriante das palavras, como no conto de Kafka em que o que importa é o macaco em cima do realejo

andrejcaetano
Renan Ozturk