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domingo, 16 de fevereiro de 2020

livreto da inquietação V

não sou um poeta, mas um poema;
e que se escreve, apesar de ter jeito de ser um sujeito
J-M É L (on Stéphane Mallarmé)

 

escrever do padecimento

é o padeiro fazer tijolo

enganadamente

enganando o fazer e o tijolo

 

mistura claras de idealização em farinha de fatos

adiciona óleo de miragem a essência de dissímulo

salpica palavras adocicadas sobre incerteza ocultada

coloca para assar um ano no forno das distâncias

 

eis o pão da angústia

puro delírio sintático

estático e semovente

distorcido e condensado

 

escrever de padecimento é o oleiro comer o pão

com lascas de sexo e geleia de amor

do parto do sol ao porto do chão

desejo difratando o idioma dissociador

andrejcaetano
Francesca Woodman

domingo, 9 de fevereiro de 2020

fique


A Mulher
mandou que eu me aproximasse
e lhe beijasse as órbitas
e ouvisse o mar
em sua concha coreácea
Depois ordenou
que eu deslizasse minha língua
por todo o seu costado
Exigiu então
que eu me abrigasse
entre suas ancas
e de lá só saísse
após rezar com fervor
em louvor à comunhão da carne
Durante a oração
a Mulher
Deusa da teoria dos ciclos
clamou coisas incompreensíveis
mas ao fim apenas disse
‘fique’
                                                                          andrejcaetano