sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

tesoura-pedra-papel

Reiko Imoto


do nada subiu um vazio que nos cumprimentou serelepe ‘ei!’ e perguntou ‘e aí, o que vamos fazer?’

ficamos olhando aquilo, pasmos, boquiabertos...loucura? tapando o nada, o Vazio logo se estabeleceu explanando ‘vocês sabem, não é?, no momento em que fizermos alguma coisa eu inexisto, pelo menos temporariamente, porém, se, e somente se, a coisa, o que quer que seja, for divertida, prazerosa e insuficiente’

no vácuo ficamos, entendendo nada, essa não-coisa aerada e falante, boquirrota, demandante, queria diversão e prazer para a sua própria inexistência?

não conseguíamos abrir a boca, muito menos falar – mas estava engraçado ouvir o Vazio falar sobre preenchimento do vazio

o Vazio coçava o queixo que não tinha quando alguém perguntou ‘peraí, esse vazio aí é de quem?’

nos entreolhamos esperando ver alguém com expressão de cachorro que soltou pum na igreja, mas outro perguntou arisco ‘coisa, você é o vazio de quem aqui?’

‘como é que vou saber, se sou vazio? não faço ideia...além do que, posso ser a soma de todos os seus vazios, isso não tem a menor importância, o que interessa é o que vamos fazer  o que vamos fazer?’

‘o que você quer fazer, Vazio?’, perguntou um outro

‘sou apenas o vazio, eu mesmo não faço nada, aliás, nisso que vocês mal veem nem eu há, ou melhor, o eu que há não é meu – além do que, logo desapareço se fazem alguma coisa, mas só se essa coisa for divertida, prazerosa e insuficiente, lembrem-se’

‘isso é genérico!’ exclamou um outro inconformado

‘diversão e prazer comungados não têm nada de generalidade; pode ser raro, mas é preciso e suficiente’

‘suficiente como, se você falou que tem que ser insuficiente?’

‘é preciso e suficiente para não ser genérico; a insuficiência do divertido e prazeroso é outra coisa, é nada-vazio-falta, tipo tesoura-pedra-papel: na presença do Vazio o nada é tesoura cega; havendo falta o vazio é um seixo sendo embrulhado e reembrulhado no movimento  like a rolling stone, if you know what I mean’

‘ahn?!’, insclamou outro, ‘além de complicado, fala inglês?’

‘eu falo qualquer língua, morta, viva ou ainda por nascer’, falou o Vazio com muita preguiça de ter que explicar o óbvio, ‘mas então, o que vai ser?’, perguntou de novo

um outro troçou ‘sexo! grupal!’ – parte arregalou os olhos, parte salivou

‘não’, disse o Vazio, ‘vocês não estão entendendo, não é ter uma experiência, inédita, é fazer alguma coisa divertida e prazerosa, maturada na falta...’

um mais de saco cheio propôs, ‘que tal jogarmos essa coisa dentro do nada!’

‘à vontade’, sorriu o Vazio, ‘mas, como fui dito, na minha presença nada não há – se é que vocês já me experimentaram...’, o que fez o Vazio ruminar ‘deve ser mesmo complicado entender o que semidigo’ e tentou novamente: ‘pessoal, olha só, não é todo mundo junto, é só o Um, que são dois: o zero e o um – nem é neste-instante-agora, é para abrir a porta, ou o que quer que lhes soe fechado, do começo’

siiiii

lêêêêên

cio

de onde uma voz mezzo verdadeira mezzo zombeteira veio:

‘eu vou viajar’

‘pra onde?’, perguntaram

‘japão’

‘quando?’

‘já’

‘e as coisas todas que você tem que fazer aqui?’

‘ficam pra depois’

‘com quem você vai?’

‘sozinho, com alguém que me-eu queira e queira ir, não sei e não importa’

‘o que você vai fazer lá?’

‘perambular olhar ver saber um pouco ouvir tocar...vou sentar em um izakaia em nagoya e vou ficar amigo de uma mulher e a gente vai se apaixonar e vamos namorar até o dia em que eu for embora e nesse dia vamos chorar...niponicamente’

‘você está delirando’

‘não, estou sonhando, cruzarei o japão sonhando’

‘isso nunca...nada disso vai...e se nada disso acontecer?’

‘então tudo isso terá quase acontecido’

andrejcaetano




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