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domingo, 18 de março de 2012

o mar e o canavial [joão cabral de melo neto]


O que o mar sim aprende do canavial:

a elocução horizontal de seu verso;

a geórgica de cordel, ininterrupta,

narrada em voz e silêncio, paralelos.

O que o mar não aprende do canavial:

a veemência passional da preamar;

a mão-de-pilão das ondas na areia,

moída e miúda, pilada do que pilar.

O que o canavial sim aprende do mar: 

o avançar em linha rasteira da onda;

o espraiar-se minucioso, de líquido,

alagando cova a cova onde se alonga.

O que o canavial não aprende do mar:

o desmedido do derramar-se cana;

o comedimento do latifúndio do mar,

que menos lastradamente se derrama.

João Cabral de Melo Neto
Rene Burri

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