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sábado, 23 de novembro de 2024

adjetvérbio

 

neste momento neste papel

só o que vem à cabeça

o que sai ou sobe

só o que sabe sem saber

só o mais-saber

 

neste momento este papel

só o que não tem organização

o que não tem idade

o que não tem saudade

só o que não tem papel

 

este momento neste papel

só palavra sem fé pública

só palavra infiel

sem audiência

só a palavra que não há

havendo-se

andrejcaetano
[ ? (@Ann_Aurore)]


sábado, 28 de setembro de 2024

ficção


num romance que escrevi a protagonista parecia ser boa de marketing. escondia bem à vista o que não sentia. não fazia ideia do que sentia. tinha medo de assombração.

 


noutro romance que escrevi a protagonista era contorcionista. seus pais eram artistas circenses. ela fugiu do circo aos 16 anos. foi viver com um gerente de marcas.

 


no último romance que escrevi a protagonista fabricava obscuros objetos para desejos opacos. se fazia estéril. crônica de cronos engolia os filhos que não ia tendo. puro branding.

 


em os romances que eu não

nunca escrevo

romance

não há protagonismos

andrejcaetano

? (@AplasIscariote)


terça-feira, 13 de agosto de 2024

expectorante

 

o que escreve eu

egzersaize revime expectora

nada certitumbre

poço fundo ao contrário

 

fatalésias essas todas

trabuco-homi

eucrevo es

reverbora

 

e quando acontece qualquer coisa de troço

sou representar quem posso:

sorresto do meu tenho

cadentes as improdutivas rendições

 

sorrio porquês

– ora, que bobagem, 

derrisória inversão,

mesmo boçal eu seria e era

andrejcaetano

Alexander Rodchenko



quarta-feira, 8 de maio de 2024

mar do japão

 

caroço

bobo  insensível  alienado  audacioso

barco

barca

aníbal só  louco  machucado  ninguém  camelo

patinando nas dunas desérticas

das praias do longo litoral anil 

     do circunlóquio literal

          do pensamento fantasioso

 

fantasma

de carne-i-osso duro de roer

de morder 

cães  cadelas  caninos em geral 

um tira-dentes navegante soldado no convés 

sangrando o mar do japão pensante:

‘eis o outro lado do mundo’

 

audacioso lá fantasiando o mundo do lado de cá:

‘hei de não voltar’

‘chegarei embrulhado em silêncio’

andrejcaetano

Rabih Alameddine



terça-feira, 26 de março de 2024

a mênade e gerúndio


Ikko Narahara



















a mulher abriu a porta da casa das paredes pintadas em azul piscina, atravessou o curto jardim, pulou o muro como se desse um salto-voo shaolin-ninja-kung fu filme chinês, desembestou descalça calçada acima, correndo rua acima arrancou a blusa, levantou a longa-larga saia de estampa campesina com camponesas azuis e piscinas estampadas, correndo rua acima levantou o pano, deu um nó e o segurou como um mamão 

a seguia um pé-de-vento que assoviava uivo manso e fazia seus cabelos longos flutuarem bicolores

passou por Gerúndio correndo acima a rua que ele descia

Gerúndio parou

olhou o relógio digital parado na torre da igreja

13:13 para sempre

ela berrou trovão e zunido ao mesmo tempo  ‘você quer me ouvir?’  ensurdecendo a cidade e espatifando os vidros das janelas de apartamentos de prédios com mais de 2 e menos que 37 andares

não sabendo se era com ele ou com a civilização dali, mas captando, Gerúndio respondeu bem alto ‘querendo’

onde ela estava ela estacou pitonisa de algum oráculo tebano e sem se virar para ele perguntou, ‘tem homem que ouve?’

‘que ouve?, deve ter’

‘e escuta?’, retorceu ela de bate-pronto

‘aí já não sei  não falo por ninguém’

ela se virou para ele e disse ‘acho que tem homem que faz que ouve’

‘líquido e certo isto é’

‘fazem que ouvem uma mênade?’, ela trucou sem necessidade

‘nesse caso, não há como’

ela se aproximou e lhe perguntou: ‘por quê?’

‘medo’

‘de quê?’

‘do real’

‘qual real?’

‘o feminino’

ela deu um longo enorme gigantesco suspiro de preguiça, os galhos das árvores poucas tremeram, vasos caíram de parapeitos, parapeitos caíram de janelas já espatifadas

‘e você, quem é?’, retornou ela

‘sinceramente?’

‘não há outro jeito’, decretou

‘não tem a mínima importância’

‘você é homem?’, inquiriu

‘como assim?’

‘você tem medo do real?’

‘não’

‘e quer me ouvir...?’

‘na verdade, quero ficar escutando’

‘quem não escuta?’

‘quem não ouve’

‘bravo!, assim posso até vir a creditar-te’, ironizou

‘creditado por uma mênade?, sem palavras, alteza’

‘eu, mênade?, quem disse?’, ela questionou severamente

‘ninguém, vi e ouvi’

‘e você, não tem medo?’

‘medo de quê?’

‘das mênades’

‘por que haveria de ficar tendo?’

‘mênades matam – e esfolam – homens’, informou ela

‘não quando querem ser escutadas’

ela se calou por um milésimo de segundo que durou quase um evo e depois voltou, ‘qual é o seu deus preferido?’

‘é uma deusa’

‘o meu você sabe?’

‘o seu é fácil de imaginar’

‘e por qual porquê você imagina que eu corria?’

‘alguma coisa dentro da piscina azul camuflada de casa

‘isso é o óbvio, domicílio ou família?’, sabatinou economista política

‘algo que se repete há muito tempo’

‘é certo, tem história, mas receio ser longa  chata   repetitiva’

‘aprecio história...estória também, bastante’, Gerúndio confessando

‘vem, vamos sentar ali no meio-fio’, ela chamou

...

‘você tem um cigarro?’

‘aqui, toma’

ela o acendeu e deu um trago tão profundo que ao inspirar o cigarro queimou de uma vez até o filtro e ao expirar ela encobriu a cidade inteira seus milhões de habitantes com uma névoa de tabaco e os mil venenos da civilização

hipnotizada pela cidade enfumaçada lá embaixo ela murmurou,

'então, ...'

andrejcaetano

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

tesoura-pedra-papel

Reiko Imoto


do nada subiu um vazio que nos cumprimentou serelepe ‘ei!’ e perguntou ‘e aí, o que vamos fazer?’

ficamos olhando aquilo, pasmos, boquiabertos...loucura? tapando o nada, o Vazio logo se estabeleceu explanando ‘vocês sabem, não é?, no momento em que fizermos alguma coisa eu inexisto, pelo menos temporariamente, porém, se, e somente se, a coisa, o que quer que seja, for divertida, prazerosa e insuficiente’

no vácuo ficamos, entendendo nada, essa não-coisa aerada e falante, boquirrota, demandante, queria diversão e prazer para a sua própria inexistência?

não conseguíamos abrir a boca, muito menos falar – mas estava engraçado ouvir o Vazio falar sobre preenchimento do vazio

o Vazio coçava o queixo que não tinha quando alguém perguntou ‘peraí, esse vazio aí é de quem?’

nos entreolhamos esperando ver alguém com expressão de cachorro que soltou pum na igreja, mas outro perguntou arisco ‘coisa, você é o vazio de quem aqui?’

‘como é que vou saber, se sou vazio? não faço ideia...além do que, posso ser a soma de todos os seus vazios, isso não tem a menor importância, o que interessa é o que vamos fazer  o que vamos fazer?’

‘o que você quer fazer, Vazio?’, perguntou um outro

‘sou apenas o vazio, eu mesmo não faço nada, aliás, nisso que vocês mal veem nem eu há, ou melhor, o eu que há não é meu – além do que, logo desapareço se fazem alguma coisa, mas só se essa coisa for divertida, prazerosa e insuficiente, lembrem-se’

‘isso é genérico!’ exclamou um outro inconformado

‘diversão e prazer comungados não têm nada de generalidade; pode ser raro, mas é preciso e suficiente’

‘suficiente como, se você falou que tem que ser insuficiente?’

‘é preciso e suficiente para não ser genérico; a insuficiência do divertido e prazeroso é outra coisa, é nada-vazio-falta, tipo tesoura-pedra-papel: na presença do Vazio o nada é tesoura cega; havendo falta o vazio é um seixo sendo embrulhado e reembrulhado no movimento  like a rolling stone, if you know what I mean’

‘ahn?!’, insclamou outro, ‘além de complicado, fala inglês?’

‘eu falo qualquer língua, morta, viva ou ainda por nascer’, falou o Vazio com muita preguiça de ter que explicar o óbvio, ‘mas então, o que vai ser?’, perguntou de novo

um outro troçou ‘sexo! grupal!’ – parte arregalou os olhos, parte salivou

‘não’, disse o Vazio, ‘vocês não estão entendendo, não é ter uma experiência, inédita, é fazer alguma coisa divertida e prazerosa, maturada na falta...’

um mais de saco cheio propôs, ‘que tal jogarmos essa coisa dentro do nada!’

‘à vontade’, sorriu o Vazio, ‘mas, como fui dito, na minha presença nada não há – se é que vocês já me experimentaram...’, o que fez o Vazio ruminar ‘deve ser mesmo complicado entender o que semidigo’ e tentou novamente: ‘pessoal, olha só, não é todo mundo junto, é só o Um, que são dois: o zero e o um – nem é neste-instante-agora, é para abrir a porta, ou o que quer que lhes soe fechado, do começo’

siiiii

lêêêêên

cio

de onde uma voz mezzo verdadeira mezzo zombeteira veio:

‘eu vou viajar’

‘pra onde?’, perguntaram

‘japão’

‘quando?’

‘já’

‘e as coisas todas que você tem que fazer aqui?’

‘ficam pra depois’

‘com quem você vai?’

‘sozinho, com alguém que me-eu queira e queira ir, não sei e não importa’

‘o que você vai fazer lá?’

‘perambular olhar ver saber um pouco ouvir tocar...vou sentar em um izakaia em nagoya e vou ficar amigo de uma mulher e a gente vai se apaixonar e vamos namorar até o dia em que eu for embora e nesse dia vamos chorar...niponicamente’

‘você está delirando’

‘não, estou sonhando, cruzarei o japão sonhando’

‘isso nunca...nada disso vai...e se nada disso acontecer?’

‘então tudo isso terá quase acontecido’

andrejcaetano




quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

sazuke


nas fotos de masahisa fukase

me mirando vi

corvos

 

borboletas

gelo

no estômago

 

levei o prato à pia

que me lembrou

de ter que

enfiar

uma mensagem

semiopcional

para alguém que

me enfiou

uma mensagem

semiopcional

 

raivadeu

desse nada tudo do todo

assim

 

na série de fotos

algumas são intituladas

‘da solidão dos corvos’

 

depois

masahisa fukase informou

que mesmo ele era corvo

 

um tombo

de uma escada íngreme

em um bar

em shinjuku

masahisa fukase em seu leito final

 

algumas fotografias de fukase

são seu gato

sazuke

 

só um gato

um gato

 

sem solidão

prato pia mensagem

opção

andrejcaetano

Masahisa Fukase