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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

ki'rera


nas infâncias tinha avô

o avô tinha fazenda

a fazenda tinha um ribeiro

o ribeiro tinha uma curva

na curva tinha um remanso

no remanso era a seva

[à quirela de milho]

 

             no final da tarde tinha pescaria

             [‘deixa eu te ver peixe’ – ‘não deixo’]

 

lambari brincava

fazia de grande

fazia de pequeno

lambiscava-isca

e partia [ela na goela]

 

o avô olhava de viés o menino

a vara envergando

retesando

a linha ziguezagueando

‘é lambari’

 

tem que ter tempo de pescaria

para saber lambari

 

piau era mais vagarento

[não bobo tilápia de açude]

o avô observava de soslaio

a linha a vara a mão a face

o menino

dizia primeiro com os olhos

depois ‘seja peixe pescador’

que o menino entendia calado

‘não é lambari’

 

entre quem não via o peixe

e o peixe que não via quem

anzol

 

o passaredo silenciando

o som manso da corrente maina

luz do sol descendo pela peneira das árvores

faíscas na água do ribeiro

reflexos da noite chegando

 

um punhado de quirela ondeia o remanso

a voz do avô [‘vamos subir’]

a resposta menina fita-lhe os olhos

‘peixe avô pescador’

 

menino conversando com o silêncio ancião


andrejcaetano
Matt Bachdar

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