o sol se pôs e ela não foi embora, ficou ali pensando na vida
de costas a liberdade deliberou:
‘ai meus deus’ – assim viram os olhos da manicure;
o anarquista disse para a
pirotecnista: ‘deixa ela lá para ela não se machucar’
[era noite de lua nova, muito
breu]
a
moça levantou a perna, pousou o pé no banco e recostou o queixo no joelho
‘tudo ali é dela’, disse o dono
da venda vendo de longe, ‘menos o que ela quer’;
‘ela não quer nada’, disse a
mulher do dono da venda
os
pés da moça estavam vestidos de lona vermelha, ela olhou o calçado
‘nestes tempos de tanto calor
ela deve estar com chulé’, disse o vigarista;
‘ela ali pensando na vida que
levaria se eu a levasse dali’, fantasiou o fantasma;
‘tu não hás e logo não a
levarias’, disse o guarda;
a guarda olhou para o guarda e
não disse nada para a falta de assunto
que reclamou que o tempo não
passava
pois desde 18&58 já era uma
vida e eram apenas 19&19
o início, conforme se especulou
durante os meses seguintes,
foi o mar: corpo novo e solto assim
vem do mar
‘do mar e do sol, que se pôs,
o que ela deveria ter
considerado, deveria ter pensado na vida
e se preparado para as suas
inevitáveis calamidades’,
devaneou o decano vigário
às
19&21 a moça tirou os olhos dos pés vermelhos, o queixo do joelho e a perna
do banco
vinte oito expectadores se
retesaram:
‘olha! olha! o que será que ela
vai fazer?’
a
moça levantou-se, chacoalhou a cabeleira e suspirou um sorriso para o alto
‘que coisa mais bonita’, pensou
o vendedor de rapadura, ‘uma nuvem’;
‘vento de estrela’, a mãe da
doceira viu, ‘o suspiro dela’
a
moça se pôs a caminho
dobrou
a ponta da praia
e sumiu